Um ensaio sobre o irracionalismo

Por que, diante do considerável conhecimento científico e recursos tecnológicos existentes, as sociedades contemporâneas têm se mostrado incapazes de enfrentar objetivamente os graves e crescentes problemas colocados pela crise socioambiental que as ameaçam? Nos parece que tal incapacidade é um dos efeitos de um problema social profundo e abrangente. Este problema é o irracionalismo, o qual existe historicamente nas sociedades humanas, mas que, no capitalismo, adquire características específicas. Neste ensaio, examinamos a hipótese de que o maior desafio que se coloca à Humanidade não se encontra nos processos causais (sociais ou naturais) dos problemas que ameaçam as sociedades contemporâneas, mas na sua incapacidade de considerar o conhecimento científico desses processos nas suas decisões coletivas. Sendo tais decisões, nas sociedades capitalistas, determinadas pela luta de classes, é evidente que elas não podem ser tomadas em detrimento dos interesses das classes dominantes, centrados na acumulação de capital, a qual tem cada vez com mais clareza se mostrado inconciliável com uma reprodução material sustentável das sociedades contemporâneas. Assim, não é de se surpreender que o irracionalismo seja assumido amplamente pelas classes dominantes, as quais não hesitam em estimular formas extremas de irracionalismo, francamente negacionistas e manipuladoras (como as que caracterizam o fascismo). No entanto, mesmo entre aqueles que apresentam uma posição (supostamente) crítica em relação ao capitalismo, observa-se a proliferação de ideologias irracionalistas, muitas das quais chegam até mesmo a identificar a racionalidade em si, característica da ciência, como a principal causa da atual crise socioambiental. No presente ensaio pretendemos contribuir para a compreensão do fenômeno do irracionalismo nas sociedades contemporâneas (em especial no Ocidente). Nele procuramos analisar como o irracionalismo veio a dominar a reflexão sobre a própria natureza do ser humano para, a partir disto, tornar-se hegemônico como forma de pensamento nessas sociedades.